Gravações da Justiça dão detalhes do atentado no Riocentro em 1981
Fantástico obteve depoimentos de testemunhas e participantes.
Novos depoimentos de testemunhas e participantes ajudam a Justiça a entender detalhes do atentado que ocorreu em 1981 no Rio Centro.
Com autorização, da Justiça, o Fantástico obteve acesso ao material, que é parte da mais completa investigação sobre o Caso Riocentro, iniciada dois anos atrás.
(veja vídeo ao lado)
Os relatos ajudam a esclarecer o caso, em que estão envolvidos grupos secretos, na tentativa de impedir o fim da ditadura militar. Com eles, o Ministério Público Federal (MPF) encontra detalhes do que aconteceu no Riocentro naquela noite, em que ocorria um show comemorativo ao dia 1º de Maio.
Um dos depoimentos é o do coronel reformado Wilson Machado, que nunca deu entrevistas sobre a explosão ocorrida dentro do carro em que ele estava na noite de 30 de abril de 1981, no Riocentro. No banco do carona estava o sargento Guilherme do Rosário, que morreu no veículo. Machado saiu ferido do episódio.
Em dezembro de 2013 e em janeiro passado, Machado disse ao Ministério Público Federal, que não estava envolvido com o atentado. “Eu nunca carreguei nenhum explosivo, não sei mexer com nenhum explosivo, nunca mexi na minha vida. Não estou encobrindo ninguém, e ninguém vai dizer que deu essa ordem pra mim”.
'Peritos foram pressionados'
Para o procurador Antonio Passos, não há dúvidas de que o inquérito conduzido logo depois do atentado em 1981 foi direcionado para que as conclusões não chegassem aos autores do atentado.
“Peritos foram pressionados, testemunhas foram ameaçadas, provas foram suprimidas do local do crime. Então, a gente não tem dúvida de que a primeira investigação no Riocentro foi direcionada para que o caso fosse acobertado, que não se descobrisse a verdade”, disse.
'Alguma coisa subversiva'
Em 1981, o então capitão do Exército Wilson Machado era chefe de uma seção do Destacamento de Operações de Informações (DOI), órgão de inteligência e repressão da ditadura militar. Segundo seu depoimento, a missão que recebeu do comando do DOI era simples: verificar se os artistas e os participantes falavam “alguma coisa subversiva”.
Desde o primeiro inquérito, ainda em 1981, Machado sempre sustentou que ele e o sargento saíram do carro por alguns instantes depois de terem chegado ao Riocentro, e depois iriam estacionar normalmente. Ele teria ido ao banheiro e o sargento - conhecido no Exército como Wagner - aproveitou para procurar amigos com quem teria ficado de se encontrar.
Os dois voltaram ao carro e houve uma explosão -- que Machado diz não ter achado que se tratava de uma bomba. “Para mim não estourou bomba não, amigo”, disse. “Se você ver aí na declaração, não sei se está aí, quando eu fui interrogado, eu achava que tinha estourado o motor do carro”.
Testemunha
Mais de 30 anos depois do atentado, uma testemunha do caso criou coragem para falar ao MPF. Mauro Cesar Pimentel, dono do carro que aparece em uma imagem feita logo depois do atentado, foi localizado em 2011 pelo jornal "O Globo".
Ele disse não ter se pronunciado antes por medo, mas também conta ter visto o carro de Machado antes da explosão. “Eu olhei bem para dentro do carro e na traseira do carro, no vidro traseiro, que é baixa a traseira, eu vi dois cilindros idênticos ao que ele estava manipulando”, contou ele, referindo-se ao sargento Guilherme do Rosário.
Machado, que viu a declaração por meio do MPF, contesta a informação. “Duvido. Duvido!”, diz Machado.
Em depoimento, Pimentel diz ter visto a explosão e buscado ajuda. “Eu corri, corri e não achei ninguém. Voltei e falei, vou eu mesmo socorrer ele. Mas quando eu voltei, ele não estava mais lá (Machado). Já não estava ele e não estavam os dois cilindros na traseira do carro. Só ficou o sargento, que já estava morto”.
Em todos os depoimentos que deu até hoje, Machado afirma que não se lembra quem o socorreu e diz que o explosivo não estava no colo do sargento. Ele também mostra cicatrizes de que teria sido atingido no episódio.
Na época, a investigação concluiu que a bomba estava imprensada entre o banco e a porta do carona.
'Eu não podia deixar de cumprir a ordem'
O major reformado Divany Carvalho Barros, conhecido no Exército como "Dr. Áureo", admitiu, três décadas depois do atentado, que foi enviado ao Riocentro para recolher provas que pudessem incriminar o Exército. Divany afirma que recolheu de dentro do carro três objetos pertencentes ao sargento Rosário.
“Eu não podia deixar de cumprir a ordem. A caderneta com telefones, nomes, anotações. Peguei a caderneta, peguei uma granada defensiva que ele usava na bolsa que não explodiu. Peguei a pistola dele”, contou em depoimento ao MPF.
Em outro depoimento ao MP, o ex-delegado de polícia Cláudio Guerra contou que sua função era prender, no Riocentro, pessoas falsamente ligadas à explosão. No depoimento, ele revela a existência de mais uma bomba com um novo alvo – o palco e os artistas.
“Seria colocado no palco, justamente para atingir... A comoção seria a morte de artistas mesmo, né?”, diz o ex-policial.
Nenhuma bomba explodiu no palco. No entanto, além da que explodiu no pátio, outra foi atirada na casa de força do Riocentro, para cortar a luz e causar pânico nas mais de 20 mil pessoas que assistiam ao show, segundo os procuradores.
A viúva do sargento Guilherme do Rosário, Sueli José do Rosário, também guardou silêncio por mais de 30 anos, segundo disse ao MPF, por ter sido ameaçada.
“No dia que enterrei meu marido. No dia... Não deram tempo nem para eu chorar a morte do meu marido”, disse. Ela conta que a ameaça veio de alguém chamado de 'doutor Luiz', que teria dito que ela seria acompanhada e mencionado seus dois filhos. O MPF está investigando a identidade do homem.
Restaurante do Rio é peça chave
As investigações do Ministério Público Federal também estão mapeando a atividade dos grupos que lutaram contra o fim da ditadura. Na lista de endereços revelados pelas testemunhas, um restaurante na Zona Portuária do Rio é uma peça importante das investigações.
Segundo o MPF, coronéis e generais do Exército se reuniam no local para planejar os atentados. Depois, as ordens eram repassadas aos subalternos. Somente nos primeiros meses de 1980, foram 46 explosões atribuídas aos militares.
Boa parte dos atentados foi contra bancas de jornal que vendiam publicações consideradas subversivas. Uma bomba enviada à sede da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio, matou a secretária Lyda Monteiro.
Denúncia do MPF
Para o MPF, o coronel Wilson Machado, o ex-delegado Cláudio Guerra e os generais reformados Nilton Cerqueira e Newton Cruz, devem responder por tentativa de homicídio, associação criminosa e transporte de explosivos.
Nilton Cerqueira era comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro e teria suspendido o policiamento no dia do show. Newton Cruz, que ainda foi denunciado por favorecimento, chefiava o Serviço Nacional de Informações (SNI). Segundo o MPF, ele soube do atentado com antecedência e nada fez para impedir.
Os outros denunciados pelo MPF são o major Divany, por fraude processual, e o general reformado Edson Sá Rocha, acusado de ter defendido um plano de atentado um ano antes, também no Riocentro - o único que se recusou a responder às pergundas do MPF.
Passados 33 anos do atentado, os procuradores alegam que o crime não prescreveu porque foi praticado contra o país. Além disso, não estariam cobertos pela Lei da Anistia, válida de 1961 a 1979.
A Justiça Federal ainda está analisando o novo inquérito para decidir se aceita a denúncia.
Procurados pelo Fantástico, o general Newton Cruz disse que já foi julgado e inocentado pelo Superior Tribunal Militar e pelo Supremo Tribunal Federal no caso do Riocentro. A família do ex-delegado Cláudio Guerra disse que ele está doente e não poderia falar. Nilton Cerqueira e Sueli José do Rosário não quiseram dar entrevista para o Fantástico. Já o coronel Wilson Machado e o major reformado Divany Carvalho Barros foram procurados em casa e pelo telefone, mas não foram encontrados.
Veja o site do Fantástico
Fantástico obteve depoimentos de testemunhas e participantes.
Ex-delegado diz que havia bomba no palco para atingir artistas.
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Com autorização, da Justiça, o Fantástico obteve acesso ao material, que é parte da mais completa investigação sobre o Caso Riocentro, iniciada dois anos atrás.
(veja vídeo ao lado)
Os relatos ajudam a esclarecer o caso, em que estão envolvidos grupos secretos, na tentativa de impedir o fim da ditadura militar. Com eles, o Ministério Público Federal (MPF) encontra detalhes do que aconteceu no Riocentro naquela noite, em que ocorria um show comemorativo ao dia 1º de Maio.
Um dos depoimentos é o do coronel reformado Wilson Machado, que nunca deu entrevistas sobre a explosão ocorrida dentro do carro em que ele estava na noite de 30 de abril de 1981, no Riocentro. No banco do carona estava o sargento Guilherme do Rosário, que morreu no veículo. Machado saiu ferido do episódio.
Em dezembro de 2013 e em janeiro passado, Machado disse ao Ministério Público Federal, que não estava envolvido com o atentado. “Eu nunca carreguei nenhum explosivo, não sei mexer com nenhum explosivo, nunca mexi na minha vida. Não estou encobrindo ninguém, e ninguém vai dizer que deu essa ordem pra mim”.
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Enquanto Wilson Machado nega envolvimento e até a existência de uma bomba, um ex-delegado afirma que havia um plano para que uma bomba fose colocada no palco para atingir os artistas.'Peritos foram pressionados'
Para o procurador Antonio Passos, não há dúvidas de que o inquérito conduzido logo depois do atentado em 1981 foi direcionado para que as conclusões não chegassem aos autores do atentado.
“Peritos foram pressionados, testemunhas foram ameaçadas, provas foram suprimidas do local do crime. Então, a gente não tem dúvida de que a primeira investigação no Riocentro foi direcionada para que o caso fosse acobertado, que não se descobrisse a verdade”, disse.
'Alguma coisa subversiva'
Em 1981, o então capitão do Exército Wilson Machado era chefe de uma seção do Destacamento de Operações de Informações (DOI), órgão de inteligência e repressão da ditadura militar. Segundo seu depoimento, a missão que recebeu do comando do DOI era simples: verificar se os artistas e os participantes falavam “alguma coisa subversiva”.
Desde o primeiro inquérito, ainda em 1981, Machado sempre sustentou que ele e o sargento saíram do carro por alguns instantes depois de terem chegado ao Riocentro, e depois iriam estacionar normalmente. Ele teria ido ao banheiro e o sargento - conhecido no Exército como Wagner - aproveitou para procurar amigos com quem teria ficado de se encontrar.
Os dois voltaram ao carro e houve uma explosão -- que Machado diz não ter achado que se tratava de uma bomba. “Para mim não estourou bomba não, amigo”, disse. “Se você ver aí na declaração, não sei se está aí, quando eu fui interrogado, eu achava que tinha estourado o motor do carro”.
Testemunha
Mais de 30 anos depois do atentado, uma testemunha do caso criou coragem para falar ao MPF. Mauro Cesar Pimentel, dono do carro que aparece em uma imagem feita logo depois do atentado, foi localizado em 2011 pelo jornal "O Globo".
Ele disse não ter se pronunciado antes por medo, mas também conta ter visto o carro de Machado antes da explosão. “Eu olhei bem para dentro do carro e na traseira do carro, no vidro traseiro, que é baixa a traseira, eu vi dois cilindros idênticos ao que ele estava manipulando”, contou ele, referindo-se ao sargento Guilherme do Rosário.
Machado, que viu a declaração por meio do MPF, contesta a informação. “Duvido. Duvido!”, diz Machado.
Em depoimento, Pimentel diz ter visto a explosão e buscado ajuda. “Eu corri, corri e não achei ninguém. Voltei e falei, vou eu mesmo socorrer ele. Mas quando eu voltei, ele não estava mais lá (Machado). Já não estava ele e não estavam os dois cilindros na traseira do carro. Só ficou o sargento, que já estava morto”.
Em todos os depoimentos que deu até hoje, Machado afirma que não se lembra quem o socorreu e diz que o explosivo não estava no colo do sargento. Ele também mostra cicatrizes de que teria sido atingido no episódio.
Na época, a investigação concluiu que a bomba estava imprensada entre o banco e a porta do carona.
'Eu não podia deixar de cumprir a ordem'
O major reformado Divany Carvalho Barros, conhecido no Exército como "Dr. Áureo", admitiu, três décadas depois do atentado, que foi enviado ao Riocentro para recolher provas que pudessem incriminar o Exército. Divany afirma que recolheu de dentro do carro três objetos pertencentes ao sargento Rosário.
“Eu não podia deixar de cumprir a ordem. A caderneta com telefones, nomes, anotações. Peguei a caderneta, peguei uma granada defensiva que ele usava na bolsa que não explodiu. Peguei a pistola dele”, contou em depoimento ao MPF.
Em outro depoimento ao MP, o ex-delegado de polícia Cláudio Guerra contou que sua função era prender, no Riocentro, pessoas falsamente ligadas à explosão. No depoimento, ele revela a existência de mais uma bomba com um novo alvo – o palco e os artistas.
“Seria colocado no palco, justamente para atingir... A comoção seria a morte de artistas mesmo, né?”, diz o ex-policial.
Nenhuma bomba explodiu no palco. No entanto, além da que explodiu no pátio, outra foi atirada na casa de força do Riocentro, para cortar a luz e causar pânico nas mais de 20 mil pessoas que assistiam ao show, segundo os procuradores.
A viúva do sargento Guilherme do Rosário, Sueli José do Rosário, também guardou silêncio por mais de 30 anos, segundo disse ao MPF, por ter sido ameaçada.
“No dia que enterrei meu marido. No dia... Não deram tempo nem para eu chorar a morte do meu marido”, disse. Ela conta que a ameaça veio de alguém chamado de 'doutor Luiz', que teria dito que ela seria acompanhada e mencionado seus dois filhos. O MPF está investigando a identidade do homem.
Restaurante do Rio é peça chave
As investigações do Ministério Público Federal também estão mapeando a atividade dos grupos que lutaram contra o fim da ditadura. Na lista de endereços revelados pelas testemunhas, um restaurante na Zona Portuária do Rio é uma peça importante das investigações.
Segundo o MPF, coronéis e generais do Exército se reuniam no local para planejar os atentados. Depois, as ordens eram repassadas aos subalternos. Somente nos primeiros meses de 1980, foram 46 explosões atribuídas aos militares.
Boa parte dos atentados foi contra bancas de jornal que vendiam publicações consideradas subversivas. Uma bomba enviada à sede da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio, matou a secretária Lyda Monteiro.
Denúncia do MPF
Para o MPF, o coronel Wilson Machado, o ex-delegado Cláudio Guerra e os generais reformados Nilton Cerqueira e Newton Cruz, devem responder por tentativa de homicídio, associação criminosa e transporte de explosivos.
Nilton Cerqueira era comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro e teria suspendido o policiamento no dia do show. Newton Cruz, que ainda foi denunciado por favorecimento, chefiava o Serviço Nacional de Informações (SNI). Segundo o MPF, ele soube do atentado com antecedência e nada fez para impedir.
Os outros denunciados pelo MPF são o major Divany, por fraude processual, e o general reformado Edson Sá Rocha, acusado de ter defendido um plano de atentado um ano antes, também no Riocentro - o único que se recusou a responder às pergundas do MPF.
Passados 33 anos do atentado, os procuradores alegam que o crime não prescreveu porque foi praticado contra o país. Além disso, não estariam cobertos pela Lei da Anistia, válida de 1961 a 1979.
A Justiça Federal ainda está analisando o novo inquérito para decidir se aceita a denúncia.
Procurados pelo Fantástico, o general Newton Cruz disse que já foi julgado e inocentado pelo Superior Tribunal Militar e pelo Supremo Tribunal Federal no caso do Riocentro. A família do ex-delegado Cláudio Guerra disse que ele está doente e não poderia falar. Nilton Cerqueira e Sueli José do Rosário não quiseram dar entrevista para o Fantástico. Já o coronel Wilson Machado e o major reformado Divany Carvalho Barros foram procurados em casa e pelo telefone, mas não foram encontrados.
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